sexta-feira, 26 de julho de 2013

Os homens do Botânico (2): Francisco Manuel de Melo Breyner, Conde de Ficalho (1837-1903)

Amanhã, sábado 27 de Julho, celebram-se os 176 anos do nascimento de Francisco Manuel de Melo Breyner, Conde de Ficalho, altíssimo vulto da vida e cultura portuguesa da segunda metade do século XIX e pai fundador do Jardim Botânico da Escola Politécnica.


Francisco Manuel de Melo Breyner nasceu a 27 de Julho de 1837, em Lisboa, no Palácio da Rua Direita das Janelas Verdes, pertença dos seus ilustres antepassados. Da mais alta aristocracia do seu tempo, era filho dos 2.º Marqueses e 3.º Condes de Ficalho. Do círculo restrito da Corte (viria a ser Mordomo do Casa Real), era amigo íntimo dos Príncipes D. Pedro (com quem partilhava a mesma idade) e D. Luís, tendo-os acompanhando nas suas viagens de instrução pela Europa, em 1854 e 1855, visitando nelas Inglaterra, a Bélgica, a Holanda, França, Itália e as principais cortes alemãs. Além dos diversos cargos que viria a exercer como Par do Reino (1882), Conselheiro de Estado efectivo (1893), Embaixador Extraordinário em diversas ocasiões (como em 1896, na corte de São Petersburgo), distinguiu-se sobretudo como homem de letras e escritor, botânico apaixonado e professor emérito do Instituto Agrícola e da Escola Politécnica de Lisboa.  
Em 1855, concluiu no Instituto Maynense, na Academia Real das Ciências de Lisboa, os preparatórios necessários à sua entrada na Escola Politécnica, com destino a tirar o curso geral deste estabelecimento que terminou em 1860, premiado em quase todas as cadeiras. Desde Janeiro de 1858, achava-se vago o lugar de lente substituto da 9ª cadeira, por virtude do falecimento de José Maria Grande (1799-1857). Francisco Manuel de Melo prestou provas, vencendo o concurso e, com menos de 24 anos, em Janeiro de 1861, seria nomeado lente substituto de Botânica, ascendendo a catedrático, perto de vinte e nove anos mais tarde.
Foi no âmbito desta sua actividade lectiva que Francisco Manuel de Melo impulsionou e orientou a construção de um Jardim Botânico na cerca da Escola Politécnica, previsto desde 1840, e destinado a substituir pedagogicamente o Jardim Botânico da Ajuda, demasiado longe. Grandes esforços já tinham sido empreendidos nesse sentido com José Maria Grande, a partir de 1840, e João de Andrade e Corvo (1824-1890), desde 1844, mas pouco se tinha conseguido até então, devido ao grande incêndio, ocorrido em 1843, que destruíra o antigo Colégio dos Nobres que albergava a Politécnica, canalizando-se energias e financiamento, a partir dessa data, para a reconstrução do edifício principal. Tinha-se iniciado, em 1859, a terraplanagem da cerca para preparar o futuro jardim mas, em 1861, aquando da tomada de posse da cadeira por Ficalho, as obras estavam longe de estarem concluídas.
Francisco Manuel de Melo empenhou-se, de forma incansável, na prossecução do seu objectivo e na obtenção de financiamento para a sua concretização. Quase concluído o novo edifício, em 27 de Janeiro de 1873, escrevia ao Director interino da Politécnica, considerando o momento oportuno, para se iniciar a criação do Jardim e propunha a ampliação do empréstimo projectado para acabamento do edifício com a finalidade de se obterem as verbas necessárias ao futuro Jardim. Com estas, conseguiu logo a contratação de Edmund Goeze (1838-1929) que viria a estar na origem do desenho e construção da parte de sistemática botânica, no plano superior do Jardim. Goeze, ilustre botânico e bem conhecido em Portugal, havia sido contratado, em 1866, para o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra e tinha sido emissário do governo português junto do governo britânico no processo de recuperação das colecções angolanas coligidas por Friedrich Welwitsch (1806-1834). A Ficalho se deve ainda, em grande parte, a escolha das plantas e árvores para o Jardim, envolvendo-se pessoalmente na selecção e nas transplantações das espécies provenientes do Jardim Botânico da Ajuda para o novo horto da Politécnica. Foi ainda responsável pelos primeiros contactos para encetar relações científicas com estabelecimentos similares estrangeiros, entre os quais os Jardins de Kew e de Berlim, recebendo e enviando exemplares de herbário, sementes e plantas.
Em 1876, Goeze retirar-se-ia para a Alemanha. Foi de novo o Conde de Ficalho que procurou pessoalmente indicação de pessoa competente para Jardineiro da Politécnica, vindo a recair a escolha no botânico francês Jules Daveau que trabalharia no Jardim, entre 1876 e 1892. A relação entre Ficalho e Daveau seria sempre de grande proximidade e cumplicidade, nomeadamente no arranjo do arboreto, na parte inferior do Jardim. Em 10 de Maio de 1879, Francisco Manuel de Melo, após ter findado o primeiro contracto do jardineiro, propôs de imediato a renovação do contrato, por mais três anos, com aumento do ordenado para 800$000 réis anuais. Em 1884, as novas plantações progrediam com rapidez mas as verbas para a sua continuação iam escasseando, exigindo de Ficalho esforços permanentes junto da Direcção da Escola para o aumento de verbas. Protector incansável do Jardim, Ficalho trabalhou afincadamente no aumento e melhoria do Jardim, sendo exemplo deste seu empenho, a veemência das exigências feitas à Companhia Real dos Caminhos de Ferro, na sequência da abertura de um poço no Jardim para a construção do túnel do Rossio. Os prejuízos causados ao Jardim e a não reposição das terras removidas levaram Ficalho a exigir indemnizações financeiras e a construção de um lago, na parte de baixo do jardim.
Num campo estritamente científico, como naturalista, dedicou-se ainda o Conde de Ficalho ao já referido estudo do herbário africano, colhido em missão oficial do governo português, por Welwitsch. Fê-lo conjuntamente com William Hiern (1835-1929), de quem foi amigo íntimo e com o qual viria a publicar em conjunto, em 1881, nas Transactions da Sociedade Linneana de Londres, uma memória intitulada On Central Africa Plants collected by Major Serpa Pinto. Das suas obras botânicas, destacam-se ainda a Flora dos Lusíadas (1880); Memória da Malagueta (1883), Garcia de Orta e o seu Tempo (1886), que serviu de preparação à publicação dos dois volumes dos Colóquios dos Simples e Drogas da Índia (1891 e 1895).
Faleceu em Lisboa, em 19 de Abril de 1903.


Para saber mais:
Burnay, Eduardo, Elogio Histórico do Conde de Ficalho, Lisboa, Typographia da Academia Real das Ciências, 1906.
Palhinha, Rui Teles, Esboço Biográfico do Conde de Ficalho no Cinquentenário do seu passamento, Lisboa, Academia das Ciências, 1953.
Tavares, Carlos Neves, Jardim Botânico da Faculdade de Ciência de Lisboa, Porto, Imprensa Portuguesa, 1967