terça-feira, 23 de julho de 2013

Os homens do Botânico (1): Jules Daveau (1852-1929)


Jules Daveau (1852-1929)

O desenho e organização do Jardim Botânico da Universidade de Lisboa deve-se ao trabalho, esforço, dedicação e génio das sucessivas gerações de botânicos e jardineiros que nele laboraram. Um dos seus pais fundadores foi o Jardineiro-chefe Jules Daveau (1852-1929), botânico francês, contratado em 1876 pela Escola Politécnica, a pedido Francisco Manuel Melo Breyner (1837-1903), Conde de Ficalho, então Director interino do Jardim. Precedera Daveau no ofício o alemão Edmund Goeze (1838-1929) que, apenas dois anos, esteve ao serviço, devendo-se-lhe o arranjo sistemático do tabuleiro superior.
Nascido em Argenteuil, perto de Paris, em 29 de Fevereiro de 1852, Daveau iniciou-se muito jovem na botânica. Com apenas 14 anos, saído da Escola Turgot, entrou como Aprendiz-Jardineiro no Museu de História Natural de Paris. Aí tornou-se aluno e discípulo, entre outros, de Alexandre Brongniart (1770-1847) e Joseph Decaisne (1807-1882), dois dos mais conceituados botânicos da época. Em 1872, Daveau era promovido a Chefe do Laboratório de Sementes e do Jardim das Experiências do Museu, dedicando-se à procura das melhores condições naturais para o desenvolvimento das espécies. No exercício das suas funções, chefiou várias viagens exploratórias, nomeadamente em 1875, à antiga Cirenaica (actual Líbia), trazendo consigo numerosas plantas de herbário e sementes de que se originaram plantas que trouxeram à florística numerosas espécies novas. A sua actividade no Laboratório conferiu-lhe fama e reconhecimento que rapidamente ultrapassaram os limites da comunidade científica francesa.
Data de 16 de Dezembro de 1876 o contrato assinado com a Escola Politécnica. Firmado inicialmente apenas por dois anos, com o ordenado de 720$000 réis anuais, 90$000 réis para despesas de viagem e casa para habitação, viria a ser sucessivamente renovado até 1892, data em que regressou a França. No período que decorreu entre 1876 e 1892, Daveau contribuiu para a conclusão e melhoria do Jardim Botânico (iniciado em 1873) concentrando-se principalmente na sua parte inferior. É a ele que se deve a extensão da dimensão do jardim para uma área próxima da actual, o traçado da dita ‘rua das palmeiras’, a organização do arboreto, o respectivo sistema de rega e o desenho dos lagos, riachos e cascatas. É ainda a Daveau que se deve o enriquecimento constante das colecções vivas e de sementes, com o fomento de trocas sistemáticas de sementes e plantas com museus e jardins botânicos estrangeiros, desde Inglaterra, Alemanha, Itália até à Nova Zelândia, Austrália, Japão e China. O Conde de Ficalho propôs, ainda, que Daveau pudesse ser encarregado de explorações botânicas, acompanhando alunos e coligindo plantas para os herbários, de que também foi incumbido, tornando-se responsável pela sua organização inicial. Em 1878, todo este esforço resultaria na organização e publicação do primeiro Index Seminum do Jardim. O número de táxones, na quase totalidade espécies, era de 1559, na maioria plantas cultivadas sobre plantas indígenas. No Index de 1880, o número subiria para 2346.
Paralelamente à sua chefia do Jardim, Daveau trabalhou afincadamente no estudo da flora de Portugal, publicando durante a sua estadia em Lisboa inúmeros trabalhos, entre os quais avultam: Notes phytostatiques — Aperçu sur la végétation de l'Alemtejo et de l'Algarve (Lisboa, 1881); Excursion aux îles Berlengas et Farilhoes (Lisboa, 1884); Sur quelques espèces critiques de la flore portugaise (Paris, 1890) e ainda Géographie botanique du Portugal. La flore des plaines et collines voisines du littoral (Lisboa, 1905). Ampliando muito algumas contribuições anteriores dos alemães Link e Willkom e de Júlio Henriques, lente de Botânica da Universidade de Coimbra, Daveau acabou por dar corpo aos primeiros fundamentos da geografia da vegetação portuguesa em estudos que continuam de actualidade.
Quando se retirou em 1892, o Conselho da Escola Politécnica aprovou por unanimidade um voto de sentimento, pela partida de um funcionário que considerava exemplar, e outro de louvor pela sua permanente dedicação. O seu labor seria ainda reconhecido pelo Governo português com a mercê de uma Comenda da Ordem de Cristo e outra de Santiago. Em 1893, instalou-se em Montpellier na qualidade de Jardineiro-chefe do Jardim Botânico da Universidade, passando posteriormente a Conservador do mesmo, dedicando-se à organização dos seus herbários. A 24 de Agosto de 1929, faleceu nessa cidade aos 77 anos de idade, depois de perto de cinquenta anos dedicados aos estudos botânicos.


Lápide comemorativa a Jules Daveau (Jardim Botânico - MUHNAC)


Para saber mais:
Palhinha, Rui Teles, ’Jules Daveau’, Boletim da Sociedade Broteriana, 2ª série, Vol. 6 (1929-1930), VIII-XII.
Ribeiro, Orlando, 'Jules Daveau', Diário de Notícias (8 de Julho de 1980).
Tavares, Carlos Neves, Jardim Botânico da Faculdade de Ciência de Lisboa, Porto, Imprensa Portuguesa, 1967