Jules Daveau (1852-1929)
O
desenho e organização do Jardim Botânico da Universidade de Lisboa deve-se ao trabalho,
esforço, dedicação e génio das sucessivas gerações de botânicos e jardineiros
que nele laboraram. Um dos seus pais fundadores foi o Jardineiro-chefe Jules Daveau
(1852-1929), botânico francês, contratado em 1876 pela Escola Politécnica, a
pedido Francisco Manuel Melo Breyner (1837-1903), Conde de Ficalho, então
Director interino do Jardim. Precedera Daveau no ofício o alemão Edmund Goeze (1838-1929)
que, apenas dois anos, esteve ao serviço, devendo-se-lhe o arranjo sistemático do
tabuleiro superior.
Nascido
em Argenteuil, perto de Paris, em 29 de Fevereiro de 1852, Daveau iniciou-se
muito jovem na botânica. Com apenas 14 anos, saído da Escola Turgot, entrou como
Aprendiz-Jardineiro no Museu de História Natural de Paris. Aí tornou-se aluno e
discípulo, entre outros, de Alexandre Brongniart (1770-1847) e Joseph Decaisne
(1807-1882), dois dos mais conceituados botânicos da época. Em 1872, Daveau era
promovido a Chefe do Laboratório de Sementes e do Jardim das Experiências do
Museu, dedicando-se à procura das melhores condições naturais para o desenvolvimento
das espécies. No exercício das suas funções, chefiou várias viagens
exploratórias, nomeadamente em 1875, à antiga Cirenaica (actual Líbia),
trazendo consigo numerosas plantas de herbário e sementes de que se originaram
plantas que trouxeram à florística numerosas espécies novas. A sua actividade
no Laboratório conferiu-lhe fama e reconhecimento que rapidamente ultrapassaram
os limites da comunidade científica francesa.
Data
de 16 de Dezembro de 1876 o contrato assinado com a Escola Politécnica. Firmado
inicialmente apenas por dois anos, com o ordenado de 720$000 réis anuais,
90$000 réis para despesas de viagem e casa para habitação, viria a ser
sucessivamente renovado até 1892, data em que regressou a França. No período
que decorreu entre 1876 e 1892, Daveau contribuiu para a conclusão e melhoria
do Jardim Botânico (iniciado em 1873) concentrando-se principalmente na sua parte
inferior. É a ele que se deve a extensão da dimensão do jardim para uma área
próxima da actual, o traçado da dita ‘rua das palmeiras’, a organização do
arboreto, o respectivo sistema de rega e o desenho dos lagos, riachos e
cascatas. É ainda a Daveau que se deve o enriquecimento constante das colecções
vivas e de sementes, com o fomento de trocas sistemáticas de sementes e plantas
com museus e jardins botânicos estrangeiros, desde Inglaterra, Alemanha, Itália
até à Nova Zelândia, Austrália, Japão e China. O Conde de Ficalho propôs,
ainda, que Daveau pudesse ser encarregado de explorações botânicas,
acompanhando alunos e coligindo plantas para os herbários, de que também foi
incumbido, tornando-se responsável pela sua organização inicial. Em 1878, todo este
esforço resultaria na organização e publicação do primeiro Index Seminum do Jardim. O número de táxones, na quase totalidade
espécies, era de 1559, na maioria plantas cultivadas sobre plantas indígenas.
No Index de 1880, o número subiria
para 2346.
Paralelamente
à sua chefia do Jardim, Daveau trabalhou afincadamente no estudo da flora de
Portugal, publicando durante a sua estadia em Lisboa inúmeros trabalhos, entre
os quais avultam: Notes phytostatiques — Aperçu sur la végétation de
l'Alemtejo et de l'Algarve (Lisboa,
1881); Excursion aux îles Berlengas et Farilhoes (Lisboa, 1884); Sur quelques espèces critiques de la flore
portugaise (Paris, 1890) e
ainda Géographie botanique du Portugal. La flore des plaines et collines voisines du littoral (Lisboa, 1905). Ampliando muito algumas
contribuições anteriores dos alemães Link e Willkom e de Júlio Henriques, lente
de Botânica da Universidade de Coimbra, Daveau acabou por dar corpo aos primeiros
fundamentos da geografia da vegetação portuguesa em estudos que continuam de
actualidade.
Quando se retirou em
1892, o Conselho da Escola Politécnica aprovou por unanimidade um voto de
sentimento, pela partida de um funcionário que considerava exemplar, e
outro de louvor pela sua permanente dedicação. O seu labor seria ainda
reconhecido pelo Governo português com a mercê de uma Comenda da Ordem de
Cristo e outra de Santiago. Em 1893, instalou-se em Montpellier na qualidade de
Jardineiro-chefe do Jardim Botânico da Universidade, passando posteriormente a Conservador
do mesmo, dedicando-se à organização dos seus herbários. A 24 de Agosto de 1929,
faleceu nessa cidade aos 77 anos de idade, depois de perto de cinquenta anos
dedicados aos estudos botânicos.
Lápide comemorativa a Jules Daveau (Jardim Botânico - MUHNAC)
Para
saber mais:
Palhinha,
Rui Teles, ’Jules Daveau’, Boletim da
Sociedade Broteriana, 2ª série, Vol. 6 (1929-1930), VIII-XII.
Ribeiro, Orlando, 'Jules Daveau', Diário de Notícias (8 de Julho de 1980).
Ribeiro, Orlando, 'Jules Daveau', Diário de Notícias (8 de Julho de 1980).
Tavares,
Carlos Neves, Jardim Botânico da
Faculdade de Ciência de Lisboa, Porto, Imprensa Portuguesa, 1967